A vida está acelerada. Para caber em sua rotina, tudo precisa ser objetivo, rápido e prático. É difícil acreditar que antes do advento da tecnologia a serviço cotidiano a vida funcionava. A sensação de controle na palma da mão (seu celular), sendo tudo facilitado e produtivo, a vida foi deixando de ser vivida. Se antes nos planejávamos para preparar o jantar, descobrir uma nova receita, se aventurar nas frustrações dos erros e se deliciar com a experiência, hoje tudo pode ser resolvido com um click no Ifood. Com isso, a vida contemporânea nos exige manejar recursos cada vez mais elaborados da mente, corpo e espírito.
Vencer tornou-se sinônimo de alta performance. Se não consegue ter disposição para acordar cedo, malhar, meditar, cuidar das tarefas domésticas, filhos, casamento, trabalho, estudo, vida social ativa, está vivendo a vida errado. Essa receita generalista é vendida como fórmula para o sucesso, promete o caminho da liberdade, mas na verdade te aprisiona no cansaço em looping. A vida deixou de ser uma experiência a ser vivida para se tornar um checklist de tarefas geradoras de culpa e frustração.
A Síndrome do Esgotamento Profissional ou Burnout, é a expressão das contradições das relações de trabalho, operando sobre a lógica que engole as questões subjetivas do trabalhador, dividindo-as em nome da extração intensiva da energia produtiva, gerando situações e relações permeadas por estressores. Apesar do imperativo ‘separar vida pessoal da profissional’, o trabalho invade a vida quando ela está apenas a um click da sua mão. Por que não responder um email às 22 horas para adiantar o trabalho de amanhã?
Em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a Síndrome de Burnout como uma doença ocupacional, ou seja, relacionada ao esgotamento profissional na esfera do trabalho. Segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com os sintomas atrelados à doença.
O esgotamento físico, mental e espiritual tornou-se pauta cotidiana, o novo normal naturalizado como algo apenas individual, onde a responsabilidade recai aos sujeitos que não possuem força de vontade o suficiente para suportar as condições de vida impostas. A repetição expositiva do enquadramento das experiências que produzem constante sofrimento, angústia, desconfortos, ultrapassa os limites de suportabilidade frente a situações estressoras de difícil elaboração, que nos conduz ao adoecimento psíquico.
Para a psicanálise, as manifestações externas não afetam somente o corpo, ela é introjetada para dimensões mais profundas dos sujeitos e se conectam com conteúdos já existentes e se tornam demandas que requerem atenção e destinos. Frente ao conflito de resistência psíquica de difícil sustentação, o corpo sempre comunica seus limites e exaustão.
Ser diagnosticado com síndrome burnout pode ser uma indicação de caminho, mas, geralmente, ficamos presos a nomeação (diagnóstico) e buscamos soluções que ofereçam a possibilidade de plasticidade da nossa capacidade de resistência psíquica, ou seja, receitas mágicas ou medicações que aumentam nossa suportabilidade, mas não desenvolvemos crítica ao que continua a adoecer.
O que chamamos de Burnout, podemos situar como uma doença do nosso tempo, produzida pelo modo de produção que conduz a vida e nos distancia da liberdade, portanto, se desenvolve enquanto fenômeno multifacetado, nos exigindo criatividade e múltiplas abordagens em seu enfrentamento.
A proposta da psicanálise é viabilizar caminhos para o processo de compreensão crítica acerca do que te leva ao adoecimento, fazendo a relação entre as demandas internas e externas, se apropriando das dimensões do autoconhecimento para que construa estratégias autônomas de enfrentamento, seja na esfera individual ou coletiva.
Talvez a receita não seja o cumprimento de todas as tarefas, mesmo que a organização se faça importante ou te ofereça alguma satisfação; talvez o que precisamos defender seja nosso direito de descanso. De qualquer forma, só um espaço de escuta te oferecerá as ferramentas necessárias para um olhar para si em relação ao mundo com mais nitidez.
Um forte abraço!
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