Quantas vezes somos capazes de pegar no celular para dar uma espiadinha nas redes sociais durante a realização de uma tarefa? Em 2017, a revista El País publicou um artigo sobre o foco e o vício no celular, nos alertando sobre os malefícios para a saúde da nossa atenção. Analisaram pesquisas norte-americanas e destacou que a variação entre telas afeta significativamente o foco, onde nossa atenção pode ser capturada ou desviada a cada 47 segundos.
Quando estamos diante de uma tarefa, nos esforçamos para realizar aquilo que, geralmente, precisamos, mas não queremos fazer por gerar algum tipo de desconforto. Ou seja, demanda uma energia psíquica para resistir às articulações de resistência propostas por nossa mente na tentativa de fugir do que é incômodo.
No imperativo da alta produtividade e performance propostos pela cultura da sociedade capitalista - afinal, “time is money” - , internalizamos a necessidade de absorver o máximo de informação e responder às demandas com imediaticidade, como se fosse possível estar conectado o tempo todo a realidade, onde acabamos desenvolvendo medo da desatualização ou de perder alguma coisa, inclusive, existe um termo em inglês para isso: fomo (fear of missing out), criado pelos norte-americanos.
Em 2004, uma pesquisa do Departamento de Informática da Universidade da Califórnia Irvine comparou a atividade de checar o telefone com frequência como uma tendência compulsiva comparada ao vício de jogos caça-níqueis. Assim como qualquer outro vício, podemos considerar como fuga a insuportável manifestação do conflito no presente, substituindo por uma satisfação imediata de prazer. Durante uma tarefa desprazerosa, recorremos ao celular como uma “gratificação” compensatória para o retorno de sua “obrigação”.
Passamos a vida em busca de satisfação dos nossos desejos, portanto, é evidente que enfrentamos dificuldades para respondermos aos nossos desconfortos e desprazeres. O celular tornou-se a materialização concentrada do universo de possibilidades em um só lugar, este que mudou nossa forma de se relacionar, fantasiar, projetar, comunicar, organizar ou desorganizar a vida funcional, mas, acima de tudo, estar supostamente presente em todos os lugares. Na fantasia da cultura contemporânea, com o celular não há mais desculpas para não se manter conectado com a realidade.
Mas será possível enfrentar a realidade o tempo todo sem nenhum mecanismo de fuga? E de que realidade estamos falando?
Na premissa da existência de um inconsciente proposto por Freud(1915), guardamos conteúdos como pensamentos, memórias, desejos que não são alcançados pelo processo racional da consciência, pois reprimimos diante da necessidade de sustentação da nossa ordem psíquica. Ora, somos bombardeados por estímulos externos o tempo todo, exigindo uma dinâmica articulada e complexa da nossa mente em busca de proteção interna, que registra e processa as informações conforme demanda nossa estrutura psíquica.
A fuga das situações ou tarefas que geram desconfortos, geralmente, conectadas a sintomas ansiosos ou conflituosos, nem sempre estão no campo da consciência, os mecanismo de defesa do ego podem criar fantasias elaboradas como estratégia para fuga da realidade como negação, distanciamento, destituição de responsabilidades, distorção.
Inclusive, a busca por artifícios para burlar sua própria dinâmica psíquica e manter o desejo de uma alta produtividade com alternativa de medicalização, uso de droga ou outros artifícios, ignorando a necessidade de autoconhecimento e aproximação dos conteúdos por trás dos seus incômodos, pode levar a intensificação dos mecanismos de defesa e sofrimento.
Se compreendemos a realidade como fruto da nossa construção subjetiva a partir do enredo do nosso repertório complexo desenvolvido pela linguagem que nos cerca e abarca nossas experiências, conteúdos inconscientes, desejos; nossa relação com a realidade é uma construção simbólica, conforme já apontado por Lacan. Portanto, enfrentar a realidade requer um exercício, a priori, de aproximação de si, desenvolvimento de autoconhecimento para construir estratégias de sobrevivência ao mundo externo.
Não é possível enfrentar a realidade o tempo todo e está tudo bem . Talvez, precisamos compreender o que é funcional para nossa realidade, respeitando seus limites e oferecendo espaço para o que cabe.
Exercícios meditativos podem te auxiliar no treino para retorno do momento presente e te ajudar no foco e direcionamento da sua atenção, mas se suas fugas são constantes e persistentes, pode ser que seja importante investigar melhor do que tanto tem fugido, isso pode te oferecer uma dimensão desconhecida sobre você e te ajudar a estabelecer estratégias de cuidado direcionada a sua dificuldade. Na dúvida, busque suporte profissional para trilhar uma jornada de autocuidado.
Faz sentido para você?
Espero que sim, um forte abraço!
Maju Psicanálise.
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